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Para bancar Auxílio Brasil, governo federal quer licença para gastar

Apesar da reação negativa do mercado financeiro e dos alertas de especialistas para o risco de descontrole fiscal, o governo bateu o martelo sobre o valor do benefício do Auxílio Brasil, programa que substituirá o Bolsa Família. Mesmo sem fonte de recursos definida, o presidente Jair Bolsonaro confirmou ontem que pretende, a partir de novembro, pagar R$ 400 mensais às famílias assistidas pelo programa. Ao anunciar a decisão, durante evento em Russas, no Ceará, o presidente garantiu que “ninguém irá furar o teto nem fazer estripulia no Orçamento”.

A medida significa uma derrota para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele vinha resistindo a avalizar um programa sem fonte orçamentária, mas foi atropelado pela ala política e pelos planos eleitorais do presidente da República. O programa vai exigir cerca de R$ 85 bilhões em 2022, mas o governo não tem todo esse dinheiro. Ontem à tarde, em São Paulo, o ministro disse que o governo quer uma espécie de “licença para gastar”.

Guedes admitiu que quer um waiver (licença para descumprir exigências) de R$ 30 bilhões para concretizar a ajuda aos mais pobres. “Como a intenção é a proteção dos mais frágeis, vamos pedir que isso venha como um waiver, para atenuar o impacto socioeconômico da pandemia. Estamos ainda finalizando, vendo se conseguimos compatibilizar isso”, disse.

A principal aposta do governo é a aprovação da PEC dos Precatórios, que estabelece um limite para o pagamento das dívidas judiciais da União, abrindo espaço no orçamento para o Auxílio Brasil. A PEC, porém, enfrenta obstáculos no Congresso e, ontem, teve mais uma vez adiada a votação na comissão especial da Câmara que analisa o tema.

Apesar de ter perdido a batalha para a banda política, Guedes disse que o compromisso com o teto dos gastos será mantido e negou que haja viés populista nas ações do governo. “Queremos ser um governo reformista e popular, não populista. Os populistas estão desgraçando os seus países”, afirmou.

Coube ao ministro da Cidadania, João Roma, detalhar, em entrevista no Palácio do Planalto, os planos do governo para o Auxílio Brasil. O programa terá início em novembro, com reajuste de 20% em relação ao que é pago, hoje, pelo Bolsa Família. Com isso, o valor médio dos benefícios passaria de R$ 190 para R$ 228. Entretanto, de novembro deste ano, até o fim de 2022, será pago um “benefício transitório” às famílias, para garantir um pagamento mínimo de R$ 400 por mês.

“Esse programa (Bolsa Família, que passará a se chamar Auxílio Brasil) terá um reajuste de 20%. É um programa que é permanente, e seguirá em 2021, 2022, 2023, e assim sucessivamente. Isso chama-se despesa permanente do governo. É um programa que está estruturado para que avance cada vez mais, com políticas integradas, para atender aos brasileiros mais necessitados”, explicou Roma.

“Já o benefício transitório terá por finalidade equalizar o pagamento desses benefícios para que nenhuma das famílias beneficiárias receba menos de R$ 400. Isso é o que estamos tratando internamente no governo e também junto ao Congresso Nacional para que, com a aprovação da PEC do relator deputado Hugo Mota (dos Precatórios), tudo seja viabilizado dentro das regras fiscais”, acrescentou.

Roma disse, ainda, que o número de famílias beneficiadas passará de 14,7 para 17 milhões. “Não estamos aventando que o pagamento se dê através de créditos extraordinários. Estamos buscando dentro do governo todas as possibilidades para que o atendimento dos mais necessitados siga de mão dada com a responsabilidade fiscal”, garantiu.

Para Leonardo Queiroz Leite, cientista político e doutor em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), o anúncio do novo programa foi pensado estrategicamente para tentar minimizar os danos causados ao governo e ao presidente Jair Bolsonaro pelo relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid.

Segundo Leite, o aumento do auxílio terá efeito positivo para o governo, pois atinge camadas muito vulneráveis e é um dinheiro que faz diferença na vida das pessoas mais necessitadas. “Mas é necessário lembrar que Bolsonaro está dando uma nova roupagem a um programa que já existe. Tem a ver com eleição, pois ele tenta entrar em determinados redutos, principalmente no Nordeste. Mas não é suficiente para neutralizar a queda de popularidade. Ele terá que mostrar outras melhorias, como na saúde e na economia”, avaliou.

IFI sugere redução de emendas

Cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado Federal, indicam que todo o imbróglio do teto de gastos para 2022 poderia ser solucionado com a revisão de emendas parlamentares incluídas no Orçamento do próximo ano.

Ontem, diretores do órgão afirmaram que, por meio da redução de R$ 10 bilhões em despesas não obrigatórias, o governo conseguiria aliviar o teto e pagar, integralmente, os R$ 89,1 bilhões em precatórios para o ano que vem, além de elevar o orçamento do programa Auxílio Brasil de R$ 34,7 bilhões para R$ 46 bilhões, sem precisar romper o teto de gastos ou postergar o pagamento de dívidas da União.

“É claro que isso não contempla um auxílio de R$ 400 para um número maior de famílias. O que está embutido é um aumento no benefício médio para R$ 247 e de 1,6 milhão no número de famílias beneficiadas”, disse Felipe Salto, diretor executivo da IFI.

Pelos cálculos da IFI, o Auxílio Brasil deveria ter um reajuste de 30% sobre o benefício médio atual de R$ 190 (na proposta orçamentária) e o número de beneficiários aumentaria em 10%. Os valores sugeridos pela Instituição são inferiores aos anunciados pelo governo, que afirmou que o novo programa será reajustado em 20% em relação ao Bolsa Família, e que as famílias deverão receber pagamento mínimo de R$ 400 até o fim de 2022.

Apesar de mais robusta, a proposta do governo, ainda não teve a origem dos recursos revelada. A princípio, a aposta da pasta econômica para abrir espaço no teto de gastos e arrecadar verba para o programa assistencial em 2022 tem sido a PEC dos Precatórios — que transfere R$ 50 bilhões em dívidas da União para 2023 e autoriza a utilização de R$ 30 a R$ 40 bilhões fora do teto —, e a tributação de lucros e dividendos, sugerida na reforma do Imposto de Renda.

Na avaliação de Daniel Couri, diretor da IFI, falta colaboração política para abrir mão de emendas e resolver a questão do teto de gastos. “A gente teria a possibilidade de cumprir o teto de gastos e satisfazer as demandas de gasto, seja com Auxílio Brasil, dependendo do tamanho, seja com despesas de precatórios. Mas teria um custo político envolvido, que seria abrir mão de emendas parlamentares. Não sei se o Congresso tem essa disposição”, afirmou.

As afirmações ocorreram durante a divulgação do relatório mensal da IFI. O documento estima elevação do PIB de 4,9%, mas de apenas 1,7% em 2022. Em um cenário mais pessimista, segundo Felipe Salto, o PIB do próximo ano pode chegar a quase zero, influenciado por fatores como uma piora na crise energética e o aumento dos riscos fiscais, especialmente com relação ao teto de gastos.

CONTEUDO: CORREIO BRAZILIENSE

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