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“Deficiência escondida”: dificuldades da surdez vêm à tona com redação do Enem

Entidades no Piauí, que apoiam deficientes auditivos, comemoraram a escolha da surdez como tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano. Na prova deste domingo (5), os candidatos de todo o país tiveram de dissertar sobre “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. A expectativa é que as barreiras enfrentadas por deficientes auditivos no país entrem no debate nacional – e elas não são poucas, a começar pela “invisibilidade” do problema.

Regina de Lima, presidente da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos do Piauí (Apada), ficou surpresa e previu dificuldades para os candidatos por conta do tema. “Eu acho que muita gente vai se dar mal nessa redação porque a surdez é uma deficiência à margem, é uma deficiência escondida”, disse ao Cidadeverde.com.

A Apada Piauí mantém, entre suas ações, a “Casa do Silêncio”, uma escola que trabalha com surdos até a quinta série, mas com foco maior na alfabetização. Na associação, é possível perceber os problemas enfrentados pelos surdos no acesso à educação.

E quando a barreira da comunicação é superada, surge a dificuldade para o surdo acompanhar os estudos no mesmo ritmo dos alunos ouvintes. “O vocabulário dele é muito restrito. Como ele não tem muito conhecimento e oportunidade de leitura, ele acaba com o vocabulário bem restrito”, diz Regina de Lima.

Fazer o próprio Enem talvez nem seja o principal problema para os deficientes auditivos. A presidente da Apada diz que as dificuldades no ensino fazem o surdo ter menos conteúdo que os demais. “Eu percebo que o surdo não tem tido muita oportunidade de chegar ao terceiro grau. Ele tem muita dificuldade de concluir os estudos dele (…) A pessoa surda que chega ao Enem é meio que promovida. Ela não está no nível da pessoa ouvinte”.

Prova em vídeo

O Enem deste ano contou com uma novidade: a prova em vídeo, traduzida para a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Um avanço para Yasmin Carla de Sousa, diretora social da Associação de Surdos de Teresina (ASTE). Ela comemorou a inovação e o tema da redação deste ano.

“As pessoas vão começar a valorizar as pessoas surdas e conhecer a segunda língua oficial, que é Libras”, frisou Yasmin, ao lembrar que a legislação obriga o uso da linguagem dos surdos, e a divulgação através do Enem irá contribuir para uma melhor interação deles com toda a sociedade.

Yasmin relatou diversas barreiras encontradas pelos surdos, em especial a ausência de intérpretes de Libras em escolas públicas e privadas, e até no ensino superior, além da falta de preparação dos professores para receber os alunos, o que inclusive torna injusta a concorrência com os que ouvem.

“O maior desafio dos surdos era na escrita, porque não tinha adaptação da prova e nem vídeo. Maioria dos surdos não teve boa condição na escola por falta de preparação. Como eles vão aprender português se o professor não sabe Libras? Como ele vai ensinar?”, comentou.

Se é difícil para quem ouve…

Ricardo Lima, 29 anos, estuda no quinto período do curso de Letras/Libras da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e ensina Libras no Programa Terceira Idade em Ação (PTIA), que atende idosos de Teresina. Nessa experiência, ele notou que a expansão da linguagem de sinais não é o único objetivo a ser alcançado.

“Até para os ouvintes é meio difícil a formação educacional no Brasil, e pros meninos é mais complicado ainda”, disse ao Cidadeverde.com. “São poucas as pessoas formadas para trabalhar com esse público”.

Um dos desafios a ser abordado na redação do Enem é justamente a falta de intérpretes desde a educação básica. Ricardo Lima explica que os alunos surdos ficam em sala de aula sem aprender nada se não houver tradutor. Ele vê com bons olhos a abordagem do Enem, mas acredita que muitos candidatos desconhecem essa realidade. “A grande maioria dos brasileiros, como não tem esse contato e não é muito divulgado, acho que não vão ter conhecimento para falar na redação. Mas é super importante o tema”.

Mauro Eduardo

Escola bilíngue

Mauro Eduardo, secretário estadual para inclusão da pessoa com deficiência, aguarda a conclusão do processo licitatório da primeira escola bilíngue do Piauí, que ficará no bairro Primavera, zona Norte de Teresina. Com a obra, o gestor espera dar um novo passo para superar as dificuldades para a educação de deficientes auditivos no ensino médio.

“É um tema muito importante que desperta ainda mais a importância da inclusão do aluno surdo na rede regular de ensino”, avaliou o secretário, que destacou a presença de intérpretes de Libras nas revisões do Enem promovidas pelo Govenro do Piauí para alunos da rede pública. “Eu acho que esse tema é muito importante. A educação para surdos hoje é um desafio muito grande. Mas o Estado tem implementado ações para viabilizar o atendimento a educação para essas pessoas”, completou.

 

Fonte: Fábio Lima
fabiolima@cidadeverde.com

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