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Tranqueiras: História e Cultura de um Povo Remanescentes de quilombolas de Valença do Piaui

A presença da História do negro na corrente oficial é muito recente em se tratando de tempo, tornando-se mais elástica  e bem diferente de um passado recente que ultrapassava de poucas páginas nos livros didáticos, a nível nacional. No Piauí, não era diferente, existia certa anorexia por parte dos estudiosos para tratar do assunto em voga.

Este olhar europeizado convergente ao negro perpenetrou no solo piauiense,  onde eram aplicadas as mesmas torturas, olhares diferenciados, trabalho compulsório e tantos outros tipos de sociedade detentora do poder, também não poderia ser diferente, os que aqui estiveram eram remanescentes dos primeiros que chegaram ao Brasil e não fugiam do adágio popular “damos aquilo que temos”.

O Piauí teve seu povoamento através da instalação das fazendas de gado, o negro chegou junto com os primeiros criadores. Por volta de 1674, Domingos Afonso Sertão amplia seus domínios até as terras que seriam mais tarde definidas como Piauí. Transfere algumas fazendas de gado e instala o vaqueiro negro, que com essa nova atividade e estrutura produtiva inicia outra experiência de trabalho a mão de obra negra na montagem das fazendas de gado. (MOTT, 1998).

 

A presença do africano escravizado na terra piauiense foi uma constante, foram, homens, mulheres, jovens e crianças que aqui chegaram e logo eram encaminhados para os engenhos para aplicar a força num labor diário.

Todo este contingente populacional absorveu através da memória, os hábitos e costumes, lendas, crenças, mandigas e religiosidade, bem como, as danças e culinária. Tudo ocorria tão normal que se tornava cotidiano para os próprios escravos, mesmo aglutinados na vastidão da terra estranha, parecia que o mundo era extenso demais e o  um fim se tornava cada vez mais distante.

A migração era constante, ficando mais definida após os meados do século XIX, quando ocorreu a migração interna. Em cada fazenda que ia recebendo o negro e este num espaço bem minúsculo de tempo iam se adaptando ao meio porque o destino era sempre o mesmo: senzala, serviço pesado e um novo patrão, e os mesmos castigos.

As referências sobre o negro escravo no Piauí, são bem mais amplas o que ocorre é ainda um número de pesquisadores muito resumido para trabalhar a temática.

E como diz a Professora Ivete Almeida no seu texto, Etnia, Cultura e Identidade, “nenhum grupo sofreu tão intensamente a separação e foi tão brutalmente obrigado a reconstruir sua leitura sobre si própria e sobre seu lugar no mundo como os povos negros”.

A  comunidade Tranqueira, está localizada a 18km de Valença. È formada por 34 famílias, com uma população de 58 habitantes. As principais manifestações culturais são: as festas de reisado e São Gonçalo e a dança típica conhecida como Manuê.

Os habitantes da comunidade Tranqueira, são conhecedores da importância das ervas medicinais e suas utilidades na medicina caseira, como as famosa garrafadas. Trabalham a palha de carnaúba no artesanato confeccionando: vassouras, chapéus e esteiras, bem como abanos e outras atividades pertinentes. Com a palha  de buriti, utilizam a fibra no artesanato. Com a polpa do buriti confeccionam doces ou mesmo a jacuba o suco como é mais chamado.

A buritanga do buriti, é utilizada pelas crianças como peteca para o jogo dos 3 buracos.

A tabatinga, serve para pintar as paredes e para ser utilizada no forno da farinhada como neutralizadora da argila.

A agricultura praticada na comunidade é de subsistência, destacando o cultivo do milho, feijão , arroz,  e mandioca.

Da mandioca, anualmente realizam a farinhada, mas na entre-safra  eles utilizam o tapiti para enxugar a massa para confeccionarem o beiju, que pode ser utilizado no desjejum (café da manhã) ou mesmo para mistura com feijão, o chamado beiju de massa. Com a mandioca, a comunidade também faz a puba, que serve para fazer mingau e o bolo .

Na comunidade, ainda existe parteira empírica, como também as conhecidas resadeiras em doença de crianças, como o quebranto, mau olhado e vento caído. Os adultos procuram as resadeiras para os males de espinhela caída, sol na cabeça e dor dente.

Quanto a alimentação, tem como básica, no feijão, arroz, milho e farinha, produzido na própria comunidade. Quanto á carne, se alimentam com carne de criação nome que serve para designar os caprino e ovino. A galinha caipira, que fazem ao molho pardo e normal. A carne bovina, também é bastante usada, embora o rebanho seja pequeno, mas eles complementam com as provenientes da cidade.

Os hábitos e costumes do povo da Tranqueira foram se transformando com o tempo mas ainda mantém muitos advindos dos ancestrais.

No mês de junho a comunidade festeja São João. Como não tem capela, o festejo é realizado na residência do patriarca da família, Sr. Feliciano. È costume na última noite servir um farto jantar para família e convidados, momento que ocorre o toque da Bandeira para saber quem é o festeiro do próximo ano. Todos ficam perfilados na frente da casa, onde queima uma fogueira. 0  patriarca da família, corre a bandeira sobre as pessoas, aquele que a ponta da bandeira tocar, foi o escolhido para ser o festeiro do ano seguinte. No momento todos se cumprimentam, soltam foguetes e se confraternizam. Logo após ocorrem o compadrio e os demais laços de amizades. Os mais afoitos saltam a fogueira, outros caminham sobre brasas. Neste momento a criançada faz a festa, assam batatas na fogueira, abóbora e carne.

É um hábito do  povo da Tranqueira, os famosos bolos de goma com ovos de galinha caipira, assados no  forno de brasa. As boleiras capricham, são eles bolo branco, bolo torrado, manuê e bolo doce.

No meio de tudo isso, na comunidade ainda existe  aqueles que castram os frangos – suínos e caprinos. Mas precisamos entender que cada povo tem suas particularidades de ser e agir, daí ninguém ser obrigado se aculturar para satisfazer algo fora do seu próprio conhecimento. As diferenças existem e precisam ser respeitadas, porque cada caso é um caso diferente do outro. A Comunidade Tranqueira, já é reconhecida pela Fundação Zumbi dos Palmares como Remanescentes de Quilombolas, pela História e luta de vida para manterem seus hábitos e costumes dentro dos padrões de uma sociedade hodierna e preconceituosa.

 

Prof. Antonio Jose Mambenga

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