Trabalhar seis dias na semana e folgar um é a rotina de milhões de brasileiros ao redor do país. O modelo, que deixa pouco tempo para viver além do trabalho, pode estar com os dias contados. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou na última quarta-feira, 10 de dezembro, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que garante dois dias de descanso remunerado, preferencialmente aos sábados e domingos, além de reduzir progressivamente a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais. A PEC que acaba com a escala 6×1 será analisada pelo plenário do Senado e, se aprovada, segue para a Câmara dos Deputados.
Mas, afinal, o que pode mudar com as propostas em tramitação no Congresso? Quem são as pessoas que trabalham na jornada 6×1 e podem ser beneficiadas? Quais os argumentos a favor e contra? A Agência Pública conversou com especialistas e responde às principais perguntas sobre o tema.
https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/fim-da-escala-6-1-o-que-muda-e-quem-se-beneficia-se-proposta-for-aprovada-no-congresso/ar-AA1SycCL?ocid=msedgntp&pc=NMTS&cvid=694407615a8e45baaea6b9d11919c0ec&ei=14#:~:text=Quais%20as%20propostas,3%20como%20padr%C3%A3o.
É o caso da PEC 8/2025, apresentada pela deputada Erika Hilton e outros deputados após a repercussão do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT). A proposta busca reduzir a jornada semanal para 36 horas, com uma escala de quatro dias de trabalho para três de descanso. Na justificativa, a parlamentar afirma que a alteração “reflete um movimento global em direção a modelos de trabalho mais flexíveis aos trabalhadores, reconhecendo a necessidade de adaptação às novas realidades do mercado de trabalho e às demandas por melhor qualidade de vida dos trabalhadores e de seus familiares”.
A PEC apresentada por Hilton ainda não foi direcionada a comissões pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), mas uma Subcomissão Especial voltada para discutir o assunto foi criada na Comissão de Trabalho. O relator da Subcomissão, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), no entanto, surpreendeu ao apresentar no início do mês um relatório que mantém a previsão de escala 6×1, apenas reduzindo o limite semanal para 40 horas de maneira gradual e estabelecendo pagamento em dobro para jornadas que excederem seis horas diárias aos sábados e domingos. O relatório, criticado por Hilton, ainda não foi votado após pedido de vista coletivo.
Já a PEC 148/2015, aprovada pela CCJ do Senado, tramita há mais de uma década, mas incluiu o fim da escala 6×1 recentemente, propondo uma alteração mais branda em comparação ao texto de Erika Hilton. A proposta, apresentada pelo senador Paulo Paim (PT-RS) em conjunto com outros senadores, tem a tramitação mais avançada até o momento.
O relatório aprovado na CCJ também reduz a jornada para 36 horas semanais, com a manutenção do limite de oito horas diárias, mas estabelece uma jornada de cinco dias de trabalho e dois de descanso a partir do ano seguinte à aprovação, além propôr uma redução gradual do número de horas. Segundo o texto, a mudança começaria com 40 horas semanais a partir de 1º de janeiro do ano seguinte e seria reduzida em uma hora por ano, até chegar em 36.
Há ainda a PEC 4/2025, do senador Cleitinho (Republicanos-MG), que propõe redução da jornada para 40 horas semanais e o estabelecimento de jornada 5×2. Já o PL 67/2025, da deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), busca a mesma alteração, mas com mudanças não constitucionais. O projeto que tramita na Câmara teve relatório apresentado na Comissão de Trabalho, propondo regras de transição e prevendo a possibilidade de uma escala 4×3, além da 5×2 como padrão. O texto ainda não foi votado.
As propostas discutidas no Congresso determinam que não deve haver redução salarial, mesmo com a diminuição das horas de trabalho. Os demais direitos trabalhistas, como férias remuneradas, 13º e outros permanecem sem alteração.
À Pública, a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e juíza titular da 4ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, Valdete Souto Severo, chama atenção para o fato de que as alterações propostas pelos parlamentares terão efeito limitado caso não haja proibição dos regimes de compensação de jornada, que ganharam tração com a reforma trabalhista e permitem que horas trabalhadas a mais, sejam trocadas por redução da jornada ou folga (banco de horas), ao invés de pagamento de hora extra.
“Na realidade, esses limites de oito [horas diárias] e 44 [horas semanais] são extrapolados por esses regimes de compensação de jornada, como ocorre na escala 12 por 36. Então, se houver alteração nos limites diário e semanal da Constituição e da CLT, mas continuar sendo permitido regime de compensação, as pessoas vão seguir trabalhando – como hoje trabalham –, além dos limites legal e constitucional”, diz.
Quantas pessoas seriam beneficiadas pelo fim da escala 6×1?
Não há dados oficiais sobre o número de trabalhadores em escala 6×1, mas é possível chegar a um cálculo aproximado. O mais frequentemente utilizado é o número de pessoas com carteira assinada trabalhando entre 41 e 44 horas semanais, extraído da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), levantamento periódico feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Segundo números de dezembro de 2023, 33,51 milhões de pessoas trabalhavam nessas condições na época, o último mês com dados completos disponíveis. Esse montante representa 61,2% de um total de 54,7 milhões de CLTs (não há dados sobre quantidade de horas trabalhadas de cerca de 2,6 milhões de CLTs; se considerarmos apenas os que têm dados, são 64,3% em jornadas maiores que 40 horas). Como o máximo de horas de trabalho por dia é geralmente limitado a oito horas, é nesse contingente que se encontram os trabalhadores em escala 6×1 – mas também estão aqui funcionários em escala 12×36, por exemplo.
O número pode ser maior, já que há quase 40 milhões de brasileiros na informalidade e também há pessoas com carteira que trabalham menos de 40 horas semanais, mas que têm suas horas distribuídas em seis dias.
Maioria dos trabalhadores em escala 6×1 é formada por pessoas negras
Alguns estudos e levantamentos se debruçaram em tentar entender qual o perfil dos trabalhadores que encaram jornadas de seis dias com um de folga no Brasil. São trabalhadores que recebem até 1,5 salário mínimo por mês e são majoritariamente negros – com as mulheres negras recebendo uma remuneração média menor do que os homens. A maioria tem ensino médio completo e/ou superior incompleto.
Segundo dados da RAIS, presentes em relatório da FIEMG, os setores com maior porcentagem de trabalhadores com escalas maiores que 40 horas – majoritariamente em escala 6×1 – são agropecuária, extração vegetal, caça e pesca (95,5% do total), construção civil (94,2%), comércio (92,2%) e indústria de transformação (90,3%). Esses quatro setores somados representam 22,7 milhões de trabalhadores, cerca de 41% do total de celetistas. O setor de serviços, que emprega 31,1 milhões de pessoas (57% do total), tem 58,1% dos trabalhadores em regime de mais de 40 horas semanais. É no setor de serviços em que se encontram os trabalhadores de alojamento e alimentação, um dos grupos que mais seria beneficiado com o fim da escala 6×1.
Microdados da RAIS de 2022, trabalhados pelo jornalista Marcelo Soares, da Lagom Data, para a Carta Capital mostram que 42% desses trabalhadores recebiam até 1,5 salário mínimo e que Santa Catarina era o estado com maior percentual de trabalhadores em jornadas maiores que 40 horas – 80% do total. Goiás, Mato Grosso e Rondônia tinham cerca de 75%.
A predominância de trabalhadores negros entre os que têm jornadas de trabalho superiores a 40 horas semanais aparece em um levantamento do Núcleo de Estudos Raciais do Insper, publicado no site Alma Preta. O estudo, feito a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, mostra que 65,5% dos trabalhadores da construção, 65,2% dos da agricultura e áreas correlatas e 60% de alojamento e alimentação são negros, cenário que se repete em outros setores em que predomina a escala 6×1.
Segundo o Atlas da Escala 6×1, elaborado pelo Observatório do Estado Social Brasileiro, pelo Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro e pela Associação Trabalho, Rede, Acompanhamento e Memória (Trama), 46% dos trabalhadores com jornadas superiores a 40 horas recebem entre um e 1,5 salário mínimo. Outros 22% recebem até um salário mínimo. A análise utilizou dados da RAIS e do IBGE.
Quais os argumentos favoráveis e contrários? Quem é a favor e quem é contra?
A proposta impulsionada pelo vereador Rick Azevedo ganhou repercussão nacional e angariou apoio massivo, mas também gerou reações contrárias, especialmente do setor produtivo.
De um lado, a ideia de que deve existir vida além do trabalho e de que jornadas como a 6×1 aumentam o risco de doenças físicas e mentais e de afastamentos por burnout, além de aumentar as chances de acidentes de trabalho. Do outro, a perspectiva de danos à economia e à empregabilidade no país com a redução da jornada.
Entre os setores favoráveis, estão movimentos sociais e sindicais. A proposta tem sido encampada pelo governo Lula (PT) e deve ser uma das principais bandeiras do partido do presidente na eleição de 2026. Segundo o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos, a posição do governo é de apoiar a proposta que tramitar mais rapidamente.
Para o advogado trabalhista e sindical Espedito Fonseca, integrante da Rede Lado, “o movimento VAT surge como uma resposta a uma insatisfação concreta da sociedade com jornadas exaustivas e a falta de tempo para viver”. “Ao defender o fim da escala 6×1, o movimento dá voz a uma realidade sentida por milhões de trabalhadores, para quem o único dia de descanso serve apenas para recuperação física, e não para lazer, família ou cuidado com a saúde”, aponta Fonseca, que enxerga um cenário mais favorável a mudanças no mundo do trabalho.
Entre os setores contrários à proposta, se destacam os ligados à indústria. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), por exemplo, sintetiza os principais argumentos de quem se opõe à mudança. O relatório fala em queda de até 16% do Produto Interno Bruto (PIB), aumento de custos para as empresas, perda de competitividade, elevação da informalidade e fechamento de até 18 milhões de postos de trabalho no país, em um cenário em que a produtividade não aumente.
Já uma análise feita por Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), ligado à Fundação Getúlio Vargas (FGV), traz um cenário um pouco menos alarmante. O economista estima uma queda no PIB de 2,6% em caso de redução para 40 horas semanais e de 7,4% em caso de redução para 36 horas, também considerando um cenário de manutenção do nível de produtividade atual.
Na visão do advogado Espedito Fonseca, no entanto, os contrários à proposta “se baseiam na ideia de que direitos impedem o crescimento econômico e a geração de empregos”, mas a “experiência brasileira recente desmente esse discurso”, afirma. “A reforma trabalhista de 2017, apresentada como solução para o desemprego, resultou em maior precarização e informalidade, sem melhora significativa na qualidade ou no volume dos empregos”, aponta Fonseca, citando estudos que mostram que aumentar os direitos trabalhistas “pode contribuir para equilíbrio econômico e justiça social”.
Para Souto Severo, da UFGRS, “a jornada extensa adoece o trabalhador, compromete o vínculo familiar e pode causar dano efetivo a quem convive com essa pessoa que está exausta”. “É um problema que diz em que tipo de sociedade a gente quer viver. Se é uma sociedade de pessoas exaustas e sem tempo, ou se é uma sociedade de pessoas que têm saúde e tempo para o resto da vida, inclusive, para pensar sobre o que a gente está fazendo com o mundo”, aponta a professora e juíza, fazendo menção à emergência climática.
No relatório do senador Rogério Carvalho (PT-SE), relator da PEC aprovada na CCJ, é citada a experiência vivida pelo Brasil na última vez que houve alteração na jornada. “Quando a Constituição de 1988 reduziu de 48 para 44 horas a jornada semanal de trabalho, não houve aumento do desemprego em 1989. Ao contrário, (…), verificou-se um aumento do salário real por hora em relação aos demais trabalhadores”, diz o texto, que também cita experiências internacionais positivas com a alteração.
Em uma audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, o ministro Guilherme Boulos também rebateu as críticas ao movimento. “Fala-se muito que não podemos reduzir a jornada porque nossa produtividade é menor. Mas como ela vai aumentar se a trabalhadora e o trabalhador não têm tempo para estudar, descansar e melhorar suas condições de trabalho?”, afirmou Boulos. “O tema envolve números e impactos econômicos, mas envolve também humanidade. O mercado se adapta”, apontou.
Como a pauta ganhou relevância no debate nacional?
O pleito por redução da jornada de trabalho não é algo novo, remetendo às primeiras greves de trabalhadores ao redor do mundo. Mas, no Brasil, a discussão ganhou tração graças a um vídeo no TikTok e muita revolta com um modelo descrito como uma “escravidão moderna”.
Isso bastou para que o tocantinense Rick Azevedo, que trabalhava como caixa em uma farmácia no Rio de Janeiro, colocasse a escala 6×1 na boca de boa parte dos brasileiros. A publicação, feita em setembro de 2023, viralizou e se transformou no Movimento Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), catapultando Azevedo a uma vaga na Câmara Municipal do Rio de Janeiro em 2024, pelo PSOL. Uma petição pública feita pelo VAT atingiu quase três milhões de assinaturas e fez com que a pauta ganhasse força no Congresso Nacional, por meio de uma PEC protocolada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que impulsionou a tramitação de outras propostas.
O que prevê a lei atualmente?
Até a Constituição Federal de 1988, a legislação previa uma jornada máxima de 48 horas semanais e de oito horas diárias. Na época, parte dos constituintes tentaram reduzir o teto para 40 horas, mas prevaleceu uma redação mais conservadora, estabelecendo 44 horas semanais e mantendo as oito horas diárias, além de permitir compensação de horários e redução de jornada mediante acordo ou convenção coletiva. A Constituição também estabelece que é direito do trabalhador ter ao menos um dia de repouso semanalmente, de preferência aos domingos. Na prática, isso abre margem para jornadas de trabalho 6×1.
Além da jornada de seis dias de trabalho para um de descanso, criticada por movimentos como o VAT, também há outros tipos de modelo de trabalho. Entre as mais comuns estão a escala 5×2 e a 12×36.
A 5×2 é a mais recorrente na administração pública, por exemplo. Nesse modelo, geralmente se trabalha em uma escala de oito horas diárias durante a semana e se descansa aos finais de semana, totalizando 40 horas semanais.
Já a escala 12×36 é especialmente comum em setores que funcionam com escala de plantão, como a saúde, segurança e portarias. A previsão desse tipo de regime de trabalho passou a constar na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) a partir da Reforma Trabalhista de 2017. Nesse caso, o trabalhador atua por 12 horas consecutivas (com pausa para refeição) e descansa por 36 horas. Na prática, é uma escala em que se trabalha um dia sim e um dia não. No cômputo geral do mês, a média de trabalho semanal é de 42 horas.
FONTE: MSN
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